O cansaço é uma condição sutil mas traiçoeira, que pode afetar os pilotos de diversas formas. Pode degradar a visão e a coordenação, enfraquecer a memória e a concentração, e alterar o humor e a capacidade de julgamento. Na sua forma mais aguda, o cansaço causa um irresistível desejo de dormir – uma situação perigosa para quem está no comando de uma aeronave.
Em 8/7/2004, o piloto de um Piper Warrior II, tendo dormido pouco na noite anterior, jantou fartamente e decolou por volta da meia-noite na terceira perna de um voo cross-country. Ele fechou seus olhos a uma altitude de 4.500 pés – e os abriu para se ver caído em um milharal em Waubun, Minn., incapaz de se mover, e a uma distância de cerca de 12 metros dos destroços de sua aeronave. O piloto sofreu ferimentos graves, mas sobreviveu milagrosamente ao acidente.
O piloto era aluno PC/IFR de uma escola de treinamento regulamentada. Na noite anterior à do acidente, ele dormiu por cerca de quatro horas. No dia seguinte, ele teve aulas de aviação e um exame. Quando a noite se aproximou, ele planejou um longo voo cross-country que compreendia pousos em três aeroportos e uma perna de pelo menos 250 milhas náuticas. Por volta das 17h00, ele fez o cheque pré-voo em um avião, tendo descoberto que o mesmo não dava partida. Foi-lhe providenciado outro avião, permitindo que apresentasse um plano de voo modificado e decolasse do Aeroporto Internacional de Grand Forks, N.D. por volta das 18h15.
As duas primeiras pernas do voo foram percorridas sem incidentes. Às 20h30, ele pousou no Aeroporto de Airlake, ao sul de Minneapolis, Minn. e, em seguida, fez um curto voo até o Aeroporto Crystal, logo ao norte da cidade. O avião foi abastecido, e o piloto encontrou um amigo para um jantar. Após uma refeição de costelas assadas, frango, batatas fritas e pão, o piloto retornou ao aeroporto e decolou por volta de meia-noite rumo a Grand Forks.
Depois de cerca de meia hora de voo, na altitude de 4.500 pés, o piloto identificou o primeiro check-point visual e contatou o serviço de voo para abrir o plano de voo VFR. Ele não localizou o segundo check-point, mas continuou em sua rota por meio de navegação por VOR e GPS. A última coisa que o piloto se lembra foi ter identificado as luzes distantes de Detroit Lakes, Minn., pouco antes das 1h30.
Dados de radar indicaram que a partir de então a aeronave entrou em voltas descendentes para a esquerda. O Warrior executou 6,5 voltas antes de sair do alcance do radar a 1.900 pés de altitude (cerca de 400 pés acima do solo).
Um fazendeiro próximo a Waubun, Minn., relatou que escutou e viu um avião circulando sobre sua fazenda. Ele ouviu o avião cair, mas não conseguiu identificar o local do acidente. As autoridades foram notificadas, tendo feito buscas por três horas antes de encontrar os destroços. A força do impacto arrancou a asa esquerda e ejetou o piloto da cabine.
Investigadores do NTSB não encontraram evidências de problemas mecânicos, e a inspeção do sistema de exaustão não revelou sinais de vazamento pré-acidente, o que descartou a possibilidade de intoxicação por monóxido de carbono. A investigação concluiu que o acidente foi causado pelo fato de o piloto não ter descansado adequadamente antes do voo noturno cross-country, resultando na incapacidade de manter a altitude. Os fatores contribuintes foram o cansaço decorrente da falta de dormir adequadamente, condições causadoras de cansaço, e o voo durante a noite.
A falta de dormir é a mais proeminente causa de cansaço. Embora as necessidades variem de pessoa para pessoa, a maioria dos adultos necessitam entre sete e oito horas de sono durante a noite para que possam ter um desempenho em nível ótimo durante o dia. O estresse e uma agenda pressionada também induz ao cansaço, assim como o processo digestivo após uma refeição pesada.
O piloto acidentado começou seu dia com cerca da metade do sono que seu corpo necessitava. Suportou então os rigores mentais de uma agenda cheia com aulas, um exame, e o planejamento de um voo longo. Ter que trocar de avião adicionou mais estresse e atrasou o momento de sua decolagem. Tudo isso foi seguido de três horas de voo e uma refeição pesada e rica em carboidratos. Na metade da viagem de volta, a fisiologia entrou em ação. O corpo do piloto cedeu ao sono de que necessitava, tendo o mesmo contado com a extrema sorte de sobreviver ao fim inconsciente do voo.
Como pilotos, temos que reconhecer os sinais e as causas de cansaço e ter em conta o nosso estado físico e mental no processo de tomada de decisão. Algumas vezes isso pode significar permanecer em terra até que possamos dormir um pouco. Já com uma clara perspectiva dos acontecimentos, o piloto declarou aos investigadores do NTSB: “Eu não deveria ter decolado quando achava que poderia ficar cansado. Eu deveria ter solicitado o serviço de acompanhamento de voo para manter a minha atenção. Possivelmente, deveria ter reconhecido os sintomas de cansaço... e pousado antes de perder a consciência”.
Nota: preferi utilizar o termo cansaço ao invés do termo fadiga do artigo original, tendo em vista este último ter outros significados na aviação.
Texto original: http://www.aopa.org/asf/epilot_acc/chi04la173.html
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