Fé no santo errado

Em quem você pode confiar? Essa é uma questão normalmente complicada. Escolher a resposta certa pode ser crítico no ar, especialmente quando seus instrumentos começam a contar histórias conflitantes.

Em 30/7/2006, um American Legend AL11C (Legend Cub) novinho fez um pouso forçado no Lago Michigan e afundou em seguida, após a parada de motor em voo de cruzeiro. O proprietário estava levando o avião de Oshkosh, onde foi-lhe feita a entrega durante a EAA AirVenture, para Wadsworth, Ohio, sua cidade de origem.

Como o comprador não tinha habilitação para aviões de trem convencional nem estava com sua habilitação em dia, ele combinou com um PLA e instrutor de voo que tinha atuado como demonstrador do Legend no show aéreo para lhe acompanhar na viagem. O PLA não pediu qualquer pagamento; seu objetivo era ir até um aeroporto com voos comercias e pegar um voo até Dallas, onde morava.

A partida do Wittman Regional foi atrasada por um acidente na taxiway que fechou o aeroporto. Os pilotos se revezaram subindo no estribo da asa direita para ver o que estava acontecendo. Quanto o ATC avisou que os primeiros quatro aviões que chegassem à linha de partida dos motores receberiam permissão para partir, outros pilotos os ajudaram a chegar lá em segundo lugar, tendo sido então liberados para decolar. O proprietário (o piloto voando a aeronave) escolheu uma rota para o sul, até Fond du Lac, e daí para o sudeste, sobre o lago Michigan. O PLA fez vários comentários sobre o fato de eles estarem longe da costa, antes que o proprietário “... relutantemente se dirigisse para mais próximo da margem do lago”.

Com duas horas de voo, o PLA notou que o tanque esquerdo estava indicando vazio, enquanto que o direito tinha apenas uma polegada de combustível restante. O proprietário argumentou que os indicadores de combustível deveriam estar com problemas, pois o EIS (sistema de informação eletrônico) indicava que o fluxo de combustível era de 22 litros por hora, restando então 31,5 litros, suficientes para mais uma hora e vinte minutos de voo. Contudo, ele concordou em alternar para Gary, Ind. como precaução. Vinte minutos depois, a indicação era de ambos tanques vazios, mas o proprietário apontou que o EIS continuava a indicar um fluxo de combustível de 21 litros por hora, restando 23 litros nos tanques. Quatro minutos depois, o motor parou. O PLA segurou as bagagens enquanto o proprietário estabeleceu o planeio; o avião pousou no lago na velocidade de estol e ambos os ocupantes escaparam sem ferimentos. A Guarda Costeira resgatou o PLA 40 minutos depois do pouso forçado, mas o proprietário se afogou após o avião afundar. Seu corpo foi resgatado em 2/8/2006. Sua família confirmou que ele não sabia nadar.

Os destroços foram recuperados em 7/8/2006 a uma profundidade de 11,6 metros. A tampa do tanque direito de combustível tinha desaparecido, e os mergulhadores não conseguiram encontrá-la no lago. Foram observadas manchas azuis correndo da boca do tanque até o bordo de fuga da asa direita e também no lado direito do estabilizador horizontal. A tampa do tanque era o único ponto disponível para se segurar quando se subia no estribo da asa direita.

O NTSB atribuiu o acidente à falha de ambos os pilotos em confirmar que a tampa do tanque de combustível estava segura, o que causou a perda de combustível pelo efeito sifão. Citou também a decisão de voar a uma distância da costa fora do alcance de planeio do avião como fator contribuinte. Digno de nota, entretanto, foi a insistência do proprietário em acreditar no totalizador de combustível quando confrontado com indicações conflitantes. O totalizador media o fluxo de combustível, mas não a sua quantidade, a qual era calculada a partir de um valor inicial fornecido. Os medidores de combustível eram os conhecidos e testados tubos transparentes de visualização de nível, escolhidos pelo fabricante pela sua simplicidade e confiabilidade. Contudo, o proprietário preferiu confiar nas medidas mais confortáveis fornecidas pelo totalizador. E o PLA se submeteu a ele, apesar de ser o único qualificado a atuar como comandante.

As alturas é um mau lugar para se tentar descobrir se há algum problema. Na possibilidade de alguma coisa estar errada com o avião, normalmente é melhor aterrissar e verificar o que está errado no solo. E nem é preciso falar a respeito de se manter à distância de planeio da costa.

Texto original: http://www.aopa.org/asf/epilot_acc/chi06fa224.html

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