Esteira de turbulência destrói avião

Tal como uma lancha em um lago calmo, toda aeronave em voo gera um rastro. Os pilotos costumavam chamar a perturbação de “prop wash” e a atribuía à propulsão. À medida que as aeronaves foram ficando maiores – e esses rastros se tornaram maiores e mais destrutivos – o fenômeno foi estudado e o culpado identificado: os vórtices girando em sentido contrário deixados pelas pontas das asas, um sub-produto da sustentação. Um novo termo foi criado no dicionário da segurança de voo: esteira de turbulência.

É fácil ignorar esse perigo invisível, especialmente para pilotos que ouvem o aviso “cuidado, esteira de turbulência” repetidas vezes sem qualquer incidente. Mas aqueles redemoinhos invisíveis são uma ameaça muito real, e os desastres sempre acontecem sem aviso.

Em 12/6/2006, enquanto fazia uma aproximação visual para o Aeroporto Internacional de Kansas City, Mo., o piloto de um Piper Saratoga cruzou abaixo da trajetória de voo de um Boeing 737 que estava pousando à sua frente em uma pista paralela. O Saratoga encontrou uma esteira de turbulência tão violenta que despedaçou o avião em voo. O piloto e seu passageiro morreram.

O piloto partiu do Aeroporto Grand Glaize, de Osage Beach, Mo. às 18h25, com um plano de voo IFR em condições meteorológicas visuais.

às 18h57, o controle de Kansas City informou o piloto que estivesse preparado para uma aproximação ILS para a Pista 01L. Cerca de 10 minutos depois, o ATC o instruiu para descer e manter 4.000 pés em uma proa de 280 graus. O piloto foi informado a respeito de um Boeing 737, às duas horas e a 6 milhas de sua posição, rumo sul, virando para oeste e descendo dos 5.500 pés.

Às 19h09, o Saratoga foi instruído para virar para a direita para uma proa de 300 graus e se preparasse para uma aproximação visual para a Pista 01L. O ATC instruiu o piloto para descer e manter 3.000 pés. Dois minutos depois, o piloto reportou ter o aeroporto no visual. Ele foi liberado para uma aproximação visual para a Pista 01L e instruído para contatar a torre. Pouco depois, na frequência da torre, o piloto iniciou uma chamada por rádio que se tornou ininteligível. Um controlador da torre respondeu liberando a aeronave para o pouso. O piloto não respondeu.

Diversas testemunhas no solo relataram ter ouvido barulho variável de motor, e terem visto pedaços de destroços, inclusive uma asa, caindo do céu separada da fuselagem da aeronave, sendo que esta caiu em espiral ao solo, com apenas uma asa unida. A asa esquerda do avião e os dois lados do stabilator foram descobertos a cerca de 600 metros dos destroços principais. Investigadores do NTSB concluíram que as deformações das longarinas das asas e do stabilator eram condizentes com uma substancial sobrecarga em voo. Não foram encontradas evidências de rachaduras por fadigas, corrosão ou outro tipo de dano pré-existente.

Dados de radar indicaram que o Saratoga cruzou a trajetória de voo do Boeing 737 duas vezes durante a aproximação visual. No ponto do primeiro cruzamento, o avião acidentado estava 1.600 pés abaixo de onde o Boeing havia estado dois minutos antes. Não houve encontro com a esteira de turbulência. Na segunda vez, o Saratoga cruzou o caminho do jato 600 pés abaixo do ponto onde ele estivera dois minutos antes. A velocidade do Saratoga era 183 kts – mais que 50 kts acima da sua velocidade projetada de manobra, e apenas 6 kts abaixo da sua VNE. O contato radar foi perdido nove segundos depois.

O NTSB concluiu que a causa provável do acidente foi o planejamento inapropriado da aproximação, o que resultou em um encontro com a esteira de turbulência quando a velocidade do avião excedeu a velocidade de manobra. O encontro causou a subsequente perda de controle da aeronave e a separação em voo dos lados esquerdo e direito do stabilator e da asa esquerda.

De acordo com o Aeronautical Information Manual (AIM), uma vez que um piloto receba informações de tráfego com instruções para seguir uma aeronave e tenha aceitado a liberação para uma aproximação visual, é sua responsabilidade manter os intervalos de segurança nos pousos e decolagens, além de uma trajetória de voo que afaste o avião de uma potencial esteira de turbulência. O AIM recomenda, ainda, que quando pousando atrás de um avião grande (inclusive em um pista paralela a uma distância de até 750 metros), o piloto deve manter-se ao mesmo nível, ou acima do caminho de voo na aproximação final do avião maior, observar o seu ponto de toque e pousar depois deste ponto.

Como pilotos, é crítico que entendamos os mecanismos da esteira de turbulência e como evitá-la. Caso suspeitamos que possamos encontrar esteira de turbulência – ou qualquer tipo de ar agitado – é ponto chave nos mantermos na velocidade de manobra, ou abaixo dela. Atingir essas esteiras próximo da velocidade máxima só pode terminar de uma forma – em pedaços.

Texto original: http://www.aopa.org/asf/epilot_acc/chi06fa154.html

Um comentário:

  1. Isso acontece muito em dias nublados em Congonhas e Santos Dumont.

    Cmte. João Vitor Bressali

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