Quando uma coisa boa pode ser demais

O simples ato de abastecer os tanques pode parecer corriqueiro, mas, a cada ano, três diferentes tipos de erros de abastecimento acarretam acidentes. Adicionar o tipo de combustível errado pode ser catastrófico de imediato (p. ex. motor a pistão abastecido com querosene) ou causar danos a longo prazo (p. ex. operar uma aeronave com gasolina automotiva contendo etanol). Não abastecer com combustível suficiente pode trazer surpresas desagradáveis. Entretanto, algumas vezes o problema pode ser causado por abastecer combustível demais. O velho ditado que “combustível nunca é demais, a menos que o avião esteja pegando fogo” não se aplica quando se opera em elevada altitude-densidade.

Felizmente, uma precaução simples representa uma primeira linha de defesa contra os três erros: prestar uma cuidadosa atenção em quem quer que esteja abastecendo seu avião (ainda que seja você mesmo). Pedir aos frentistas para fazer o abastecimento e sair sem se assegurar que ele foi realizado exatamente conforme pedido pode economizar alguns minutos, mas também significa riscos que poderiam ser evitados.

Em 1/7/2009, um Republic RC-3 Seabee atingiu uma rede elétrica por não ter conseguido manter sua razão de subida inicial depois de decolar de Burley, Idaho. Testemunhas afirmaram que o avião usou quase todos os 4.067 pés da pista para decolar, subindo devagar até não mais que 100 pés de altura, começando a descer então. Com o impacto contra a rede elétrica, o avião mergulhou e colidiu de nariz contra o solo, separando a cauda da fuselagem. O novo proprietário do avião, um piloto-aluno no assento esquerdo escapou com poucos ferimentos, mas seu instrutor feriu-se gravemente.

O Seabee é um avião interessante – é um barco voador anfíbio de asas altas, com motor traseiro. Mais de mil deles foram construídos entre 1945 e 1947, sendo que várias centenas continuam em serviço. O proprietário tinha comprado o avião em questão em Canandaigua, N.Y., depois de uma minuciosa inspeção anual. Ele e seu instrutor estavam no último dos três dias de traslado para a sua base no Oregon.

Ambos os pilotos disseram aos investigadores que tinham parado em Burley para abastecimento, tendo feito o pedido 30 galões antes de tomar o carro de cortesia para um café da manhã. Quando retornaram, verificaram que o tanque tinha sido enchido com 68 galões. Certamente, o abastecimento era necessário – o Seabee leva 75 galões, queimando 13,5 por hora – de forma que eles tinham pousado com uma reserva de meros 30 minutos. Entretanto, com uma perna curta pela frente (142 nm até Caldwell, Idaho) e estando o avião já pesado, um tanque cheio trazia outras preocupações. O proprietário considerou a retirada de combustível, mas, após alguns cálculos mentais, o instrutor concluiu que não seria necessário: as condições eram idênticas àquelas da decolagem anterior, feita de uma pista mais curta e mais alta.

Ambos concordaram que o avião estava no seu peso máximo de decolagem de 1.430 kg. O aeroporto de Burley fica a 4.150 pés de altitude. Na manhã do acidente, a altitude-densidade foi estimada em 5.581 pés. De acordo com as tabelas de desempenho do avião, os investigadores calcularam que a corrida de decolagem “pelo manual” para que o avião pudesse superar um obstáculo de 15 metros de altura seria de 1.195 metros, quase o comprimento total da pista – isso para um avião novo pilotado por um expert, não um avião de 62 anos desconhecido para seus pilotos. A rede elétrica estava a uma altura de 18 metros do solo.

Apenas para registro, a pessoa que abasteceu o avião contestou a declaração dos pilotos. Em um testemunho escrito para o NTSB, o co-proprietário do FBO negou que qualquer dos pilotos tenham especificado 30 galões, relatando que quando perguntados, eles deram instruções detalhadas de como saber quando o tanque estava cheio, indicando que eles queriam o enchimento do tanque. É possível que tudo isso tenha sido um mal entendido – que os pilotos não compreenderam que o seu pedido de 30 galões não tinha sido compreendido, e pensaram que estavam apenas satisfazendo uma curiosidade normal sobre um avião incomum. De qualquer forma, se eles tivessem ficado até o término do abastecimento, eles teriam a certeza de que tinham recebido a quantia que pediram.

Se o Seabee poderia ter superado a rede elétrica caso tivesse carregando 103 kg a menos é uma questão interessante. Eles tinham abastecido antes da perna anterior, que era de apenas 87 nm, de forma que parecia que estavam voando leve, provavelmente para melhorar a performance de subida. Isso sugere uma atitude casual para com o planejamento de voo e os cálculos de desempenho. A Air Safety Foundation da AOPA recomenda que se tenha uma reserva de pelo menos 50% em relação à distância de decolagem indicada no manual da aeronave. Neste caso, uma pista de 2.650 metros estava disponível em Joslin Field, apenas 37 nm mais a oeste. Mas eles não tinham combustível para chegar lá.

Texto original: http://www.aopa.org/asf/epilot_acc/wpr09la323.html