Rasante abaixo do nível do solo

Fazer rasantes sobre coisas no solo é sempre uma má ideia. Não importa o quanto você é um bom piloto ou o quanto o seu avião é rápido e responsivo: voos em alturas muito baixas não deixam margem para erros. Distrações momentâneas podem ser fatal; se alguma coisa acontece inesperadamente, o tempo de reação é muito pequeno ou inexistente. Fazer rasante sobre coisas abaixo do nível do solo é ainda pior.

Em 24/7/2008, um Cozy Mark IV de construção amadora voou para dentro de uma mina de calcário perto de Midlothian, Texas. Com velocidade de cruzeiro próxima dos 180 kt, o Mark IV standard é rápido para um avião monomotor a pistão, sendo que o deste caso em particular parecia ser ainda mais envenenado: ele tinha um motor de 220 hp, em vez do motor de 180 hp recomendado; também tinha trem de pouso retrátil, em vez do trem fixo da configuração padrão. Ele estava sendo pilotado pelo seu construtor, um PLA com 13.700 horas, e 81 horas de voo naquele avião desde a sua construção.

O relatório do NTSB descreve a mina como sendo de aproximadamente uma milha de largura e profundidade de 100 pés. Testemunhas que trabalhavam no interior da mina disseram que o avião voou dentro dela em alta velocidade, cerca de 20 ou 30 pés sobre o solo. Um desses trabalhadores disse que o avião voou diretamente sobre o seu trator; ele acenou para o piloto quando o avião passou a cerca de 30 pés sobre o solo. Ele então viu o avião inclinar para a direita e levantar o nariz para evitar uma pilha de terra antes de se espatifar na parede da mina, matando o piloto instantaneamente e espalhando destroços pela declividade acima e por cerca de 300 metros no campo adjacente.

A maioria dos destroços estava demasiadamente danificada para que os investigadores pudessem estabelecer a continuidade entre os comandos na cabine e as superfícies de controle. Não foi sequer possível dizer se o cinto de segurança do piloto estava afivelado. Entretanto, o trem de pouso estava recolhido, enquanto que as fraturas nos fragmentos da hélice sugeriam que o motor estava produzindo potência no momento do impacto. Ao mesmo tempo, os relatos das testemunhas descrevem um avião sob controle. Então, o que aconteceu?

O NTSB relatou como provável causa do acidente a falha do piloto em manter separação das paredes da mina. Mas, em primeiro lugar, por que ele estava lá dentro, e por que um veterano piloto profissional teria falhado em cabrar a tempo de passar por sobre a borda da mina? O relatório do NTSB não menciona se o piloto conhecia os trabalhadores da mina, embora o aceno do operador do trator sugere que sim. Confrontadas com um avião voando inesperadamente direto contra elas, a maioria das pessoas provavelmente teriam buscado proteção.

O que está claro é que o piloto estava deliberadamente assumindo riscos em um local dos mais implacáveis. A mais de 180 kts, o Cozy cruzaria a escavação de uma milha de largura em menos de 20 segundos. A 70 pés abaixo da borda, as referências visuais poderiam não lhe ser familiares. Talvez isso tivesse tirado do piloto a avaliação de distância, ou talvez ele tivesse se distraído um segundo a mais acenando para o homem no trator. Talvez ele quisesse fazer as coisas parecerem realmente boas sobrepondo a borda no último instante possível.

Quaisquer que fossem suas razões, esse piloto veterano escolheu assumir riscos que eram não apenas grandes, mas completamente desnecessários. O preço que ele pagou foi alto.

Texto original: http://www.aopa.org/asf/epilot_acc/dfw08la197.html

Teto baixando, terreno se elevando: combinação fatal

Em 17/01/2007 um Cessna 182 partiu do Aeroporto de Hunt Field, em Lander, Wyo., às 16h35, cerca de 15 minutos antes do pôr do sol. Pouco antes das 18h00 ele chegou ao Aeroporto Municipal Gillette-Campbell, em Gillette, 167 milhas náuticas ao nordeste. Não há registros de o piloto certificado VFR apenas, com 3.000 horas de voo, ter recebido um briefing meteorológico antes da decolagem, tendo ele feito apenas uma parada rápida antes do retorno. Em 20 minutos ele pegou um passageiro, encheu os tanques e decolou de volta a Lander.

As condições meteorológicas no voo de ida eram VFR, com 10 milhas de visibilidade sob um teto de 9.000 pés com céu encoberto. Mas na volta rumo oeste, as condições estavam ficando feias. Às 18h44, Riverton – cerca de 20 mn a nordeste de Lander, situada na rota de voo – relatava duas milhas de visibilidade com neve leve e, por volta das 19h00, o teto tinha descido para 2.600 pés, com céu nublado. Um METAR especial divulgado às 19h29 reportou 3/4 de milhas de visibilidade, com visibilidade vertical de apenas 800 pés.

Embora ainda prevalecessem condições visuais em Gillette, parece que o piloto teve problemas para se orientar. Os dados de sua trilha de voo, recuperados do seu GPS portátil, mostravam uma série de curvas pouco depois da decolagem – uma proa inicial do norte para sudoeste, então para sudeste, de volta para sudoeste, então 180 graus para nordeste – antes de começar a seguir a rodovia estadual 59 rumo ao sul. Depois de acompanhar a rodovia por 10 milhas, ele virou para a direita e voou rumo sudoeste sobre uma região com população esparsa.

De acordo com seus familiares, o piloto voava pelo Wyoming desde o início dos anos 80 e conhecia bem aquela rota. O terreno se eleva a oeste: no espaço de 30 milhas entre Rattlesnake Hills e o flanco sul das Big Horn Mountais, a elevação da base chega perto dos 6.000 pés, com o topo dos montes atingindo 7.314 pés. O Cessna 182 voou em direção a essa área em altitudes entre 6.800 e 7.300 pés.

Com o teto baixando, a visibilidade diminuindo e o terreno se elevando, o piloto colidiu contra o solo a uma altitude de 6.500 pés. Um alerta foi emitido na manhã seguinte e, cerca de três horas depois, a Patrulha Aérea Civil localizou os destroços aproximadamente 45 mn a leste de Riverton. A aeronave tinha atingido o terreno ondulado e coberto de neve em uma atitude de asas niveladas, impactando primeiro o trem de pouso dianteiro e, em seguida, a ponta da asa direita. O piloto e o passageiros foram feridos fatalmente.

Os destroços principais foram parar a cerca de 100 metros do primeiro ponto de impacto, enquanto que o motor foi encontrado cerca de 70 metros depois. O NTSB divulgou que “A fuselagem e a cabine foram destruídos”. Os cintos de segurança de ombro não tinham sido usados.

Os dados do GPS do piloto mostraram que durante os últimos dois minutos do voo o avião manteve velocidade e direção relativamente constantes, mas desceu continuamente da altitude de 7.016 pés para 6.455 pés. A elevação do terreno no local do acidente era de cerca de 6.500 pés. No momento do acidente, as condições meteorológicas no local incluíam ventos de altitude, neve e pouca visibilidade, o que tornava mais difícil a manutenção do contato visual com a paisagem coberta de neve. O NTSB mencionou o inadequado planejamento pré-voo por parte do piloto como fator contribuinte para a sua decisão fatal de continuar voando para oeste depois de perder as referências visuais.

Não ficar sabendo de más notícias pode ser benéfico em outros aspectos da vida, mas, no ar, aquilo que você não tomou conhecimento pode matá-lo. A meteorologia é particularmente mutável, e muda rapidamente. Vale a pena gastar alguns minutos extras entre as pernas da sua rota para ver se as coisas ainda estão conforme planejado, bem como decidir o que fazer quando não estão.

Texto original: http://www.aopa.org/asf/epilot_acc/den07fa053.html